NADA OU ALEGADAMENTE COISA NENHUMA
Num texto de Desidério Murcho, filósofo português e professor na Universidade de Minas Gerais, no Brasil, saltou-me à vista uma pergunta formulada por Leibniz, filósofo alemão dos séculos XVII e XVIII: “Por que há algo em vez de nada?”.
Sim. Porque é que há sempre alguma coisa, em vez da suave equidade da coisa nenhuma, do nada tranquilizador, da pacífica ausência de objetos, opiniões, sentimentos, atitudes?
Não estrarei em disputa com as ideias de Leibniz, por minha incapacidade, nem irei à procura da intensa presença do nada na espiritualidade oriental – em alguns casos quando se alcança ali o nada, ou a aparência do nada num despojamento, isso significa que se chegou a alguma coisa e o processo tem de recomeçar uma e outra vez -, mas aproveito para pensar, no meu canto, sobre isto e aquilo e o mais que me ocorrer.
É hábito aceitar que os filósofos – os pensadores entre os que pensam menos – veem a procura do conhecimento como uma atividade solitária. Recorro por isso a outra leitura e lá encontro Descartes e as Meditações (de 1641, estava Portugal e retomar-se português, sem tempo para pensar), sentado, sozinho, à lareira a procurar demonstrar que Deus existe – e que não permitiria que ele, filósofo, se enganasse quanto à existência de um mundo externo.
Tudo isto parece um pouco desirmanado, mas acreditem que para mim é um composto homogéneo e sólido: não saber por que há alguma coisa em vez do nada, constitui um belo princípio para a dúvida da existência de um Deus, pelo menos de um Deus cumulativo, que ao ponto inicial da criação terá desejado acrescentar sempre mais alguma coisa – em vez de se sossegar nesse ponto germinal, que tanta bonomia podia ter assegurado, pois se dele nada viesse nada se lhe apontaria.
Depois há ainda a questão de aceitar a solidão como habitáculo – um nada? – onde a ideia pode emergir, despontar melhor dizendo, pois a solidão da terra fértil permite às sementes os seus atrevimentos.
Tudo isto surge na minha cabeça ocupada, num lugar qualquer onde o nada me repele.
Estou a caminho de um congresso, onde irei presidir a duas mesas e fazer uma intervenção. Irei falar sobre a forte carga espiritual que há em alguns ateus, esses que aparentemente acreditando em nada e no nada são sempre alguma coisa, a maior parte das vezes muito rica e exemplificativa. Talvez, em matéria de espiritualidade, algum deles possa ajudar à interpretação de Leibniz. Ou apaziguar a solidão de Descartes.
Sthepen Hawking foi um dos maiores génios da civilização humana, um dos mais conceituados cientistas de sempre. Faleceu recentemente, em Cambridge, em 14 de março de 2018 (nasceu em Oxford, em 8 de janeiro de 1942). Sofria de esclerose lateral amiotrófica, também conhecida como doença do neurónio motor e doença de Lou Gehrig, uma doença que causa a morte dos neurónios de controlo dos músculos voluntários. Ninguém como ele soube entender o nada – e o tudo em que julgamos acreditar. As diferenças que encontrou eram uma questão de tempo: aquele que o cosmos esbanja e gere e aquele que nós apenas esbanjamos, de acordo com a nossa maior e menor imaginação e capacidade de transcendência, isto é, a nossa capacidade do que nos leva a transpor ou a ficar. (Hawkins era ateu. Sabia que Deus, em termos epistemológicos, é uma realidade transcendente e, por isso, metacientífica).
Hawkins, sem mobilidade, corria pelo tempo. E disse-nos que “não é necessário compreender exatamente o que é o tempo imaginário – basta saber que é diferente daquilo a que chamamos o tempo real”.
Em suma: entendam este texto como nada, ou como um caminho para lá chegar. Feito em tempo imaginário. Com ideias que até podiam ser reais.
Alexandre Honrado
Historiador